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          Uma vez eu disse "eu te amo". Só uma vez, por que foi quando eu tive a mais absoluta certeza de que aquelas palavras eram verdadeiras. Eu também já disse "adeus"... Queria que tivesse sido uma, mas foram duas vezes. Dois adeuses, duzentas lágrimas. "Eu mudei" também já saiu da minha boca, mais vezes do que eu posso contar, e "você mudou" foram quatro vezes. 

         Frequentemente é importante dizer exatamente aquilo que se sente, sem roteiros, sem meias palavras, sem introduções. Alguns segredos são segredos de boca, eles urgem por sair, e por mais lindos que sejam, se não forem verbalizados viram veneno, amargam a boca, escurecem a alma. Ninguém devia ser obrigado a guardar um segredo de boca. Ninguém deveria se obrigar a negar quem realmente é.  

         Mas não é assim que acontece. A gente se nega cada dia um pouquinho, calando por prudência, por medo, por amor... Ah! Nunca se cale por amor! Tolo é aquele que guarda um segredo por amor: ninguém quer beijar uma boca amarga! Contudo, é comum calarmo-nos sempre mais, cada vez por motivos mais fúteis. Construímo-nos em uma realidade paralela de quem não tem nada a dizer, de quem não tem nada para ser. Passamos a simplesmente existir, cuidamos de lustrar diariamente a máscara que pouco a pouco nos corrói a cara, nos destrói a alma, e toma nossa identidade de corpo vazio e boca amarga. 

         É lamentável que percamos de vista nossa real identidade para poupar-nos e depois tenhamos que carregar fardo tão pesado quanto uma máscara anônima. Quão triste é que vejamos essa troca como válida? No entanto ainda assim as vezes ela nos parece certa, necessária. Como pode uma decisão tão danosa assemelhar tanta pertinência? É desafio ainda maior verbalizar um segredo de boca do que guardá-lo. Dizer torna tudo real, concreto, imutável: não se retiram palavras. 

         Portanto é necessário que nos empenhemos em fugir dessa armadilha que é evitar escoriações. É preciso aprender a não abdicar de si mesmo por motivo tão bobo como a prudência. O truque é parar de temer o novo, o diferente, o mutável, as consequências . Pouco importa se o mundo vai desabar após proferida a sentença. É necessário proferi-la assim mesmo, tanto quanto é necessário encarar as consequências. É o preço que se paga por não carregar máscara, por ser leve e verdadeiro, por ser você. 

 

Segredos de Boca

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